As abóboras sem semente
- Tatiana Navega
- 18 de ago. de 2021
- 2 min de leitura
Em minha cozinha, abro uma abóbora cabotiá para fazer o jantar e noto que ela está sem sementes. Na manhã seguinte, mordo uma maçã e percebo a mesma falta. Um pouco mais tarde, saio para fazer compras e brinco com o vendedor:
- Ei, sua comida está vindo sem sementes!
Ele sorri e me responde:
- E qual é o problema? Você não vai usar. Compra tudo já crescido e pronto por aqui. Com seu estilo de vida, é só a parte de fora que importa.
Dou de ombros, é verdade, onde eu moro não tem espaço para cultivar uma árvore de maçã. Mas a cena da abóbora vazia não sai da minha cabeça, me parece triste, não sei porque. Volto para casa e paro na frente do espelho, algo está errado. Com coragem, abro meu próprio peito, como se abrisse um casaco e compreendo a minha inquietação, estou oca, sem sementes também. Pisando firme, volto para reclamar com o vendedor:
- Ei, onde estão minhas sementes? Estou vazia como as abóboras e as maçãs!
Com um olhar de desprezo, ele responde:
- Para que você as quer se não vai usar?! Do que você precisa? De um pensamento? De uma opinião? De uma forma de se comportar? Eu tenho tudo pronto para você, é só pegar! Nem precisa se dar o trabalho de cultivar.
Com raiva, começo a procurar minhas sementes. Até que eu vejo, no fundo da venda, uma portinha enferrujada, abro e elas estão todas lá. Milhões de sementes misturadas, de todos os tipos, cores e tamanhos. Acuso o vendedor:
- Você roubou essas sementes de nós!
Com o pior sorriso de ironia que eu já vi, ele responde:
- Roubei?! Ou você as despreza todos os dias consumindo e reproduzindo automaticamente aquilo que vê, sem cultivar as sementes que existem no seu interior? Seja honesta! Para que você as quer se não vai usar?
Faço silêncio. Não sei o que responder.
Quais partes dessa história são reais?! Eu deixo para cada um de vocês decidir.
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