Por razões que antecediam sua existência, ela havia nascido em uma casa onde a possibilidade de fechar as portas não existia, pois, seu pai, de olhos sempre atentos aos movimentos da família, as havia arrancado, dizendo que vigiar era seu jeito de proteger e demonstrar amor, mesmo que suas mudanças de humor gerassem ventos cortantes que - por não terem onde se esconder - chicoteavam diariamente o rosto de suas filhas.
Tomando como normalidade essa falta de divisão, mas também em uma tentativa inconsciente de que os corpos colados criassem as barreiras que faltavam para estabelecer privacidade no coração, ela dormia com suas outras quatro irmãs.
O que era bom. Mas também ruim.
Bom porque ela nunca se sentia sozinha, ruim porque dessa forma nem mesmo seus sonhos lhe pertenciam. Pois eles, acompanhando a trilha sonora de suspiros e roncos que surgiam na profundidade da noite em tamanha proximidade, também não tinham portas e divisões, fazendo com que as fantasias de uma, fossem da outra também, obrigatoriamente, pois quando uma delas por descuido ou desespero escapava para uma aventura mais intima, a voz furiosa do pai lhes arrancava a ousadia:
- Esse tipo de sonho aqui não!
Não havia um só momento que ela tivesse autonomia, da hora de se vestir ao momento de se banhar, a casa sem portas permitia aos olhares um livre caminhar, impedindo-a de agir, mesmo que minimamente, de maneira pessoal.
Porém, obediente, o tempo passou, trazendo com ele o dia em que o pai - que não parava de crescer a família - decidiu que estava na hora das mais velhas encontrarem outro lugar para morar. Suas irmãs, julgando-se repartidas fizeram do casamento forma automática de continuar.
Mas ela não.
Algo lhe dizia que a experiência da solidão era o que precisava para descobrir uma forma mais inteira de ser. Por isso, mesmo sem ter treino de opinião, ela soube o que queria e exatamente o que fazer. E ao buscar alguém que lhe mostrasse opções que pudessem ser o seu novo lar, provocou risos ao dizer que sua única exigência era que a casa tivesse as portas no lugar.
Na noite em que se mudou, já era quase lua nova e ela enfim sonhou um sonho todinho dela pela primeira vez.
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